sábado, 20 de abril de 2013

SOBRE A VIDA, NO BURACO.

Eu passo sempre pela MA 106, estrada que liga Santa Helena a Governador Nunes Freire. Sobre ela já escrevi aqui. Nessas andanças nunca consegui fotografar algumas crianças, com não mais do que dez anos, que ficam num mesmo local onde o asfalto já se acabou, isto há mais de quatro anos, e que ganham alguns trocados dos motoristas para taparem o mesmo buraco, todos os dias. Parece-me que os garotos não envelhecem e certamente o buraco nunca se tapa.

Na minha última passagem criei coragem e me aventurei numa entrevista com um deles, o mais falante, com cara de pivete e jeito de tapador de buraco. Abaixei o vidro e ele se pronunciou, num único tom, corrido  Foi assim:

“Senhor, só um instante da sua atenção. Toda vez que por aqui passa nos vê no mesmo local, com apetrechos nas mãos, prá tapar este buraco. Aparenta não ter fim nossa labuta, como aparenta que o entulho e o buraco não se acabam. Imagine só quanta terra já aqui despejamos, quantos aqui já passaram e nos olharam assim com essa mesma cara. Nunca acaba, porque nunca acabamos. Não termina a terra como não se entope o furo. Há gente que diz de tudo: vão prá casa; obrigado; que vergonha; toma dois, cinco ou dez; sai da frente. Mas nunca acaba. Certa vez um parou e afirmou: este lugar é amaldiçoado, porque prende crianças. Prende ou liberta? Não é pó ao pó? Quem sabe se do outro lado, do buraco, não terá buracos? Esperança!? Na Vila todo pirralho cumpre este castigo, ou é ritual de passagem? Quando crece, passa a vez. Só o buraco não cresce. Curioso, mas cuidamos para que o buraco não cresça, senão não damos conta. Ele tem o exato tamanho que precisamos. Cabemos todos nele, confortavelmente. Não sei lhe dizer de onde vem tanta terra. Alguns acham que tapamos e depois tiramos. Não é assim. Todo final de tarde deixamos o buraco cheio, bem tapado. E no dia seguinte tá lá de novo. Maldição? Não. Arroz e feijão no prato, com os trocados jogados no buraco. Um dia um professor aqui parou e fez sermão: vão prá escola!! Berrou. Mas vamos todos, quando dá. Não juntos. Se formos todos, juntos, quem cuidará do buraco? Nem tem lugar prá todos lá! No buraco cabemos todos. É tradição. Coisa da nossa cultura. Senhor, sei muito bem que não se tapa este buraco prá gente poder continuar aqui. É o bolsa buraco. Melhor aqui, por enquanto, assim diz papai. Dá real?”

Depois dessa, prometo que não mais falarei dessa estrada.

Quanto ao jornal, o pequeno, falarei depois.

Santa Helena, 20 de abril de 2013.